Plainando no AR

Deixe suas certezas de lado,
desloque-se dos Portos Seguros,
Abandone as corujas sempre prudentes, presas a conhecimentos já conhecidos...
Como uma gaivota permita-se plainar no ar, alimentar-se ainda em vôo, sem precisar aterrissar.
Imprima vôos surpreendentes...
Pois a surpresa e o estranhamento nos permitem instaurar um processo outro de aprendizagem.
Deixe-se afetar pela diferença abrindo a escuta para os movimentos que tem te envolvido. Mantenha-se conectado a outros corpos, corpos que aumentem sua potência vital. Para que você possa viver intensamente.


quarta-feira, 26 de maio de 2010






IMAGENS DE ESCOLAS: das dobras instauradas no processo de alfabetização

Ana Paula Patrocínio Holzmeister
Email: anapaulapholz@hotmail.com

Como professora e pesquisadora argumento que ao entrar em relação com as crianças no processo da aquisição da leitura e da escrita faz-se necessário investir na força do coletivo, pois essa possibilita a emergência de um campo intensivo o qual potencializa o processo na medida em que cria canais de passagens para as intensidades produzidas nesses encontros. Desse modo, considero que, a fim de superar a ideia fracasso escolar ou dificuldades de aprendizagens, muito freqüentes nas análises mais habituais sobre a questão da alfabetização no Brasil, investe-se em campos antes impensáveis. Campos que se constituem nos cotidianos sem que possamos ter controle sobre os mesmos.

O que circula no encontro entre os corpos: as crianças, as folhas de papel, o lápis, as letras de madeira ou plástico, a professora, as revistas e livros disponíveis, não é simplesmente a apropriação do código lingüístico – o reconhecimento e a utilização das letras do alfabeto no registro das palavras ou mesmo no registro das idéias que possam vir a compor um texto. O que circula ali é um campo de intensidades, um bloco de sensações que arrasta a experiência da escrita para um campo extra lingüístico. E, é no âmbito desses encontros entre corpos sensíveis, que as crianças e as professoras estranham o mundo, criam outros mundos, ultrapassando os limites do reconhecimento podendo vir a instaurar uma aprendizagem inventiva.

Desse modo, a potência do processo de alfabetização se desloca das análises cognitivistas que buscam detectar o que as crianças sabem e o que elas precisam saber sobre o código lingüístico (como se fosse possível conhecer sobre a amplitude dos saberes de um individuo), e se coloca nas redes que vão se constituindo nos encontros entre corpos. Corpos que se conectam, que se atravessam, rompendo com a pessoalidade do registro.

Nesse processo de produção, que passa necessariamente por vias intensivas, as crianças buscam conectar-se a diferentes corpos (um desenho, um filme, um personagem de ação, uma visita, uma conversa, um gesto, ou mesmo uma idéia “sem-sentido”) instaurando um acontecimento singular.

Assim, cada escritor “em sua atenção ao texto” produz um bloco de sensações que se conecta com outros corpos sensíveis, criando sentidos inusitados e imprevisíveis. Assim, a produção de texto não é simplesmente o uso mecânico de palavras, letras, o reconhecimento utilitário da linguagem. A produção de texto exige cuidado. É preciso selecionar as idéias e as palavras pensando junto, fazendo junto. As interferências locais são freqüentes, há estranhamentos, surpresa.


Há vida intensa no texto. E essa intensidade é vivida no e pelo corpo sensível. Corpos que criam em meio aos encontros. Os registros, as palavras ganham vida e explodem em intensidades que não cabem mais contidas de forma obedientes nas cadeiras, nas regras e convenções. Vida intensa que se expressa e que circula por entre as mesas, vida que se movimenta ainda quando está estática sentada à cadeira. Vida que entra em relação que vai se configurando em meio à produção.

No processo de experimentação da linguagem produzido em meio ao coletivo há um estranhamento com os modos diferenciais de registros, modos diferenciais de produção de sentido, que ao se defrontarem uns com os outros, abrem passagem para a instauração de uma experiência singular. Acontecimento que ultrapassa os individualismos e as individualidades, inaugurando uma produção concomitantemente comum e singular.


Referências

KASTRUP V., TEDESCO S. e PASSOS E. Políticas da Cognição, Porto Alegre: Sulina, 2008.

HOLZMEISTER, Ana Paula P. Docência como Devir – entre obstruções e invenções: uma cartografia das experimentações engendradas pelas professoras de um Centro de Educação Infantil. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, 2007a.

HOLZMEISTER, Ana Paula P. Experiências Perturbadoras: a introdução do conceito de duração nas análises sobre as práticas educativas. Anais do Colóquio Internacional Henri Bergson, UERJ, Rio de Janeiro, 7-9 de novembro 2007b.

KASTRUP, Virgínia. A invenção de si e do mundo: uma introdução do tempo e do coletivo no estudo da cognição. – Campinas, SP: Papirus, 1999.

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